sábado, 10 de março de 2012

Morte de bebês e falta de médicos levaram ao fechamento da UTI neonatal de Canguçu

Em 90 dias de funcionamento, 12 crianças morreram na unidade



Inquérito do MP investiga mortalidade de bebês
Foto: Nauro Júnior
Canguçu, município com 53 mil habitantes na Metade Sul do Estado, está em choque. A UTI Neonatal do Hospital de Caridade do município — um sonho acalentado há anos pela comunidade — foi fechada após apenas três meses de funcionamento pela Secretaria Estadual de Saúde (SES). 

As razões: falta de médicos suficientes para manter a unidade criada para ser referência regional e uma mortalidade de bebês bem acima do usual. Nos 90 dias de funcionamento, morreram no local 12 bebês dos 45 atendidos. Conforme a Secretaria Estadual de Saúde (SES), a proporção na casa de saúde de Canguçu foi de 80 óbitos para cada mil nascimentos no hospital, no primeiro mês de vida. A média nas UTIs neonatais gaúchas, segundo a secretaria, é de 13 mortes para cada mil nascimentos. Ou seja, em Canguçu teriam morrido mais de seis vezes o número de crianças que o costumeiro em outras unidades do gênero no Estado. 

Faltava pessoal. Além disso, estava com uma taxa de mortalidade bem acima do usual, mesmo com pouco tempo de funcionamento. Nesses casos, tem de parar e ver o que ocorreu afirma o secretário estadual de Saúde, Ciro Simoni.

Conforme as primeiras conclusões da apuração feita pelo governo do Estado, não houve epidemia na UTI. Os bebês morreram de causas diferentes, e a suspeita das autoridades estaduais é que as mortes tenham ocorrido por um fator muito humano: pressa. Na ânsia de abrir a unidade intensiva, faltaram especialistas habilitados. A unidade de Canguçu começou a funcionar com apenas dois médicos e, depois de algum tempo, contava com quatro — quando o número exigido pela Anvisa seria oito médicos para cuidar de 10 pacientes (a capacidade da unidade). Ciro Simoni relata que, para obter a autorização para o funcionamento da unidade, o hospital mostrou contratos firmados com uma empresa que empregaria os médicos na instituição:

Parece que o contrato não vingou, mas só ficamos sabendo depois, quando começaram a acontecer as mortes. Aí decidimos intervir.

O chefe da Divisão de Assistência Hospitalar e Ambulatorial da SES, Marcos Lobato, foi a Canguçu ver a situação de perto. Apesar de não estarem prontos os relatórios da vigilância sanitária e da auditoria médica realizada na UTI, Lobato adianta algumas falhas constatadas.

Por vários momentos a UTI não tinha nenhum médico. Apuramos também que, por vezes, o mesmo médico permanecia por 72 horas ininterruptas de plantão, o que é humanamente impossível.

Lobato reconhece que a boa vontade do hospital pode ter contriuído para a alta mortalidade: por ser nova, a UTI recebeu crianças em estado muito grave, com altíssimo risco de morte. O superintendente do Hospital de Caridade de Canguçu, Fernando Gomes, confirma que a UTI não recusava pacientes, mesmo aqueles condenados, como bebês com morte cerebral — o que contribuiu para elevar a estatística da mortalidade. Ele reconhece que faltaram médicos. Muitos dos cogitados desistiram ante à demora em abrir a unidade e também por considerar o salário baixo.

Gomes diz que pagava R$ 1,5 mil por 24 horas de plantão médico e pretende oferecer R$ 2,5 mil quando a UTI reabrir. Esse dinheiro atrairá especialistas, mas tornará a UTI deficitária, já que o SUS tem pago apenas R$ 485 por paciente.

Nós erramos, tentando fazer o bem da comunidade. Hoje não abriria com apenas dois médicos — desabafa Gomes.

A comoção causada em Canguçu gerou uma sessão especial da Câmara de Vereadores, promovida pelo vereador Ubiratan Rodrigues (PP), e um inquérito aberto pelo Ministério Público Estadual para investigar as mortes. Quem conduz o procedimento éa promotora Camile Balzano de Mattos, que ontem recebeu o levantamento fotógrafico da UTI. Estão sob análise as condições médico-sanitárias, higiene, espaço físico, material e equipamentos utilizados, tecnologia para diagnóstico e tratamento, além da performance da equipe de assistência médica e enfermagem e sua qualificação.

Apesar das investigações, o secretário Ciro Simoni não tem dúvidas de que a unidade Neonatal será reaberta:

Temos o maior interesse que volte a funcionar. Vamos reabrir assim que tiver pessoal.

Entenda o caso 

A UTI neonatal do Hospital de Caridade de Canguçu ganhou destaque com o drama da funcionária pública de Santa Vitória do Palmar Elisiane San Martin, de 34 anos, que precisou esperar por dois dias e fazer uma viagem de mais de 500 quilômetros para dar à luz aos filhos gêmeos, em outubro do ano passado.

Com o episódio, a deficiência de leitos no Estado veio à tona e despertou para um entrave burocrático de quase nove meses. A UTI neonatal de Canguçu tinha a disponibilidade de 10 leitos e estava pronta para atendimento desde fevereiro de 2011, mas não funcionava porque aguardava a liberação do governo e o credenciamento para o atendimento via SUS. A liberação foi publicada no Diário Oficial da União ainda no mês de outubro, pouco tempo depois da divulgação na mídia do caso Elisiane. A inauguração ocorreu no dia 13 de novembro, após aporte de R$ 150 mil por parte da Secretaria Estadual de Saúde.

Em 28 de fevereiro, a Secretaria Estadual de Saúde fechou a UTI, após constatar a morte de bebês em índice bem superior à média estadual.
Fonte:ZH


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