A presidente Dilma Rousseff sancionou na quarta-feira da semana passada a lei que regulamenta a profissão de motorista de caminhão no País. Aprovado na Câmara dos Deputados em 3 de abril, após anos de discussões, o projeto regulamenta a jornada de trabalho, o tempo de direção e os períodos de descanso dos condutores de caminhões. Entre os itens mais importantes da nova lei estão a proibição do trabalho por mais de quatro horas ininterruptas sem um intervalo mínimo de 30 minutos de descanso entre cada período. O trabalho, no entanto, poderá ser prolongado por mais uma hora ou até que o motorista encontre um local seguro e com infraestrutura adequada para repousar. O intervalo de uma hora para refeições é outra garantia prevista na lei.
A cada 24 horas, será exigido um intervalo de descanso mínimo de 11 horas, que pode ser fracionado em nove horas e mais duas - o descanso semanal total deve ser de 35 horas. O motorista também só poderá dar início a uma jornada com duração superior a 24 horas após o cumprimento integral do intervalo de descanso exigido pela lei.Ainda sobre a jornada de trabalho, a presidente Dilma vetou a possibilidade de redução em até duas horas do intervalo interjornada. Também vetou o parágrafo que previa a possibilidade de acúmulo de descanso semanal, desde que não ultrapassasse 108 horas e fosse coincidente, ao menos uma vez por mês, com o domingo.
O motorista profissional será o responsável por controlar o tempo de direção e de descanso exigidos pela lei. No caso do transporte de carga ou de passageiros, o condutor do veículo fica sujeito a penalidades como multa e retenção do veículo para regulamentação da pendência. A lei aprovada pela Câmara foi um substitutivo do Senado para o Projeto de Lei 99/07, do ex-deputado Tarcísio Zimmermann, que regulamenta a atividade de motorista profissional com vínculo empregatício, inclusive dos operadores de tratores e de empilhadeiras.
O texto, que foi negociado com sindicatos e empresas de transportes, é muito diferente da primeira versão aprovada pela Câmara, em 2009. Os senadores mantiveram apenas o direito a seguro obrigatório pago pelo empregador, especificando que o valor mínimo será equivalente a 10 vezes o piso da categoria.
O texto, que foi negociado com sindicatos e empresas de transportes, é muito diferente da primeira versão aprovada pela Câmara, em 2009. Os senadores mantiveram apenas o direito a seguro obrigatório pago pelo empregador, especificando que o valor mínimo será equivalente a 10 vezes o piso da categoria.
A proposta foi relatada em Plenário durante a votação pelo deputado Mauro Lopes (PMDB-MG), da Comissão de Viação e Transportes. “Esse texto resultou de longa discussão e negociação entre as entidades representativas dos trabalhadores e das empresas transportadoras. Há 40 anos que a categoria está lutando para regulamentar sua profissão”, afirmou Lopes. Para o presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), senador Clésio Andrade, a sanção da lei é importante para valorizar a categoria. “O texto é rigoroso e visa, principalmente, à segurança no trânsito e à saúde dos motoristas. Precisamos garantir aos nossos profissionais as melhores condições de trabalho”, afirmou.
Regulamento define direitos e deveres dos condutores
A lei sancionada pela presidente Dilma define os direitos e os deveres dos motoristas profissionais. Além do seguro obrigatório e dos previstos na Constituição, são direitos o acesso gratuito a programas de formação e aperfeiçoamento profissional; o atendimento profilático, terapêutico e reabilitador no Sistema Único de Saúde (SUS) em relação às enfermidades profissionais; não responsabilização por danos patrimoniais para os quais não tenha concorrido (roubo de carga, por exemplo).
Entre os deveres, destacam-se estar atento às condições de segurança do veículo; conduzi-lo com perícia e prudência; cumprir regulamento patronal sobre o tempo de direção e de descanso; e submeter-se a teste e a programas de controle de uso de drogas e de bebidas alcoólicas, instituído pelo empregador.
O transportador de cargas, operador de terminais de carga ou de transporte multimodal, ou agente de cargas que ordenar ou permitir o início de viagem de duração maior que um dia, sabendo que o motorista não cumpriu o período de descanso diário, estará sujeito a pena de detenção de 6 meses a 1 ano e a multa.
Quanto à pontuação na carteira de habilitação, o projeto determina ao motorista profissional realizar curso de reciclagem ao atingir 20 pontos, sob pena de suspensão imediata, conforme regra geral do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97). A suspensão do direito de dirigir ocorrerá para os motoristas quando o acúmulo das multas atingir 30 pontos.
O substitutivo do Senado ao Projeto de Lei 99/07 prevê a construção de locais seguros de descanso nas rodovias, a cada 200 quilômetros, incluindo área isolada para os veículos de transporte de produtos perigosos. Segundo o texto, os novos editais de concessão de rodovias terão de exigir a construção desses locais.
As concessões já existentes terão um ano para se adaptar a essa exigência, podendo requerer reequilíbrio econômico-financeiro do contrato. O projeto também permite as parcerias público-privadas (PPP), atualmente restritas a contratos superiores a R$ 20 milhões, na construção dos locais em rodovias administradas diretamente pelo poder público.
Setcergs concorda e apoia a isonomia de tratamento
Para Silvano, distância de 200 quilômetros entre pontos de parada para descanso é muito longa. |
A regulamentação da profissão de motorista aprovada no Congresso Nacional e sancionada pela presidente da República abrange direitos e deveres tanto para os caminhoneiros empregados por companhias, quanto para os autônomos. Para o presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística no Estado do Rio Grande do Sul (Setcergs), José Carlos Silvano, a postura é adequada. “O correto, e essa legislação contempla, é que todos são iguais perante a lei”. Ele admite que os autônomos têm hoje uma maior liberdade de trabalho nas estradas. “Se eles ficassem completamente livres, iriam causar uma distorção de mercado, além do que a principal finalidade da proposta, que é diminuir os acidentes, não seria contemplada”, diz Silvano.
O presidente do Setcergs lembra que a regulamentação foi debatida nos últimos três anos, com realizações de audiências públicas em todo o País. Ele ressalta que a medida contemplará motoristas que fazem diversos tipos de transportes: curtas e longas distâncias, internacionais, cargas perigosas, motoristas urbanos, de ônibus, entre outros.
Ele espera que a normatização traga segurança jurídica às empresas, na relação capital e trabalho, e que possa reduzir o número de acidentes nas estradas, através de uma carga horária mais organizada. No entanto, ele concorda que a fiscalização das normas será muito mais simples de ser efetuada nas empresas do que na atividade autônoma. Silvano acredita que essa diferença, com o tempo, poderá ser diminuída com ações da Polícia R odoviária e da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
Silvano admite que, se a nova regulamentação for cumprida à risca, serão necessários mais prazo, caminhões e pessoal para executar o transporte de cargas, o que aumentará o preço dos fretes. “Não se faz uma omelete sem quebrar os ovos. Se quisermos ter o controle da jornada dos motoristas e melhorar a segurança, há um custo”, afirma o presidente do Setcergs.
Segundo o dirigente, o “gargalo” que precisará ser resolvido é a falta de estruturas para que os motoristas possam parar os caminhões e descansar. A nova legislação prevê que nas futuras concessões de rodovias, a cada 200 quilômetros, tenha-se um ponto de parada para caminhões. “Mas 200 quilômetros é uma distância muito grande, isso quer dizer cerca de três horas de viagem”, alerta Silvano. Ele acrescenta que em muitos postos de combustíveis os motoristas já não conseguem parar por falta de espaço ou pelos estabelecimentos só permitirem o estacionamento para quem abastece. “Tem uma lei que manda parar, mas não tem lugar adequado”, lamenta.
Fecam critica condições iguais para categorias diferenciadas
Ao contrário do Setcergs, a Federação dos Caminhoneiros Autônomos dos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina (Fecam) é contrária ao tratamento igualitário entre as categorias de motoristas que consta do texto aprovado. O presidente da entidade, Eder Dal´Lago, argumenta que os autônomos gaúchos e catarinenses estão muito afastados dos principais destinos de cargas no Centro do País e o tempo é uma questão fundamental quando um transporte é encomendado.
“Imagina movimentar arroz de Camaquã para Minas Gerais, ou móveis de Bento Gonçalves para o Norte do Brasil. Com a limitação, quantos dias o caminhão levará para chegar?”, indaga o dirigente. Ele acrescenta que o autônomo não tem como realizar a troca de motoristas durante o trajeto, como algumas empresas fazem. Para Dal´Lago, os autônomos são uma categoria diferenciada e sugere que poderiam ser determinadas para a classe oito horas de descanso.
“Por exemplo, o motorista poderia parar das 22h até às 6h, o caminhoneiro, descansando oito horas, pode rodar tranquilamente”, garante o presidente da Fecam. Ele adianta que será muito difícil realizar a fiscalização do tempo que o motorista encontra-se dirigindo e se ele está cumprindo o limite determinado pela regulamentação. Ele também salienta a questão sobre em que locais os motoristas descansarão. “O governo, deputados e senadores estão falando somente sobre horas de volante, mas não estão se lembrando de fazer uma infraestrutura para os caminhoneiros”, adverte.
O dirigente reclama que em muitos municípios não há postos para os caminhoneiros pararem e essa questão agrava os riscos de assaltos. “Não temos infraestrutura e estão falando de horas de volante, acho que o pessoal está falando muito, mas não entendem do trabalho”, reitera Dal´Lago. Ele argumenta que para aumentar a segurança nas estradas é necessário melhorar as condições das rodovias brasileiras.
Sobre pontos para o descanso de motoristas, Dal´Lago revela que a Fecam, em conjunto com a Concepa, pretende desenvolver o projeto da Casa do Caminhoneiro em Porto Alegre. O estabelecimento, que ocupará uma área de aproximadamente 40 mil metros quadrados, será construído entre a BR-116 e a freeway. Ali, o profissional poderá tomar banho, lavar roupas, dormir, fazer as refeições, entre outras atividades. A partir do início das obras, o complexo levará em torno de um ano para ser finalizado, diz ele.
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