Não estou falando de uma ou duas vezes. Refiro-me a uma infância toda, uma vida, acreditando que não podia comer uva com melancia. A mãe dizia, a vó concordava, o vô não arriscava. E nós, os pequenos, acreditávamos piamente que a mistura das tais frutas empedrava no estômago. Um tio testemunhava inclusive que certa vez botou de volta a amálgama mortífera. De quebra, pra não fazer mal, a avó fazia todos tomarem uma colherada de salmoura após a comilança no pátio. Aliás, debaixo da parreira e em dia de melancia não se tocava em uva.
De onde os antigos tiraram essa, afinal? De outros antagonismos digestivos encontramos explicação histórica. Manga com leite, por exemplo, foi coisa dos senhores de engenho para evitar que os escravos comessem a fruta em demasia durante a noite. Chegavam a catar algum cativo ladino para provar os dois alimentos simultaneamente. A cena tinha seus efeitos pedagógicos enriquecidos com uma dose de veneno que fazia o escravo agonizar ou morrer diante dos demais.
A maldição da uva com melancia tem a mesma origem, sendo a primeira, o produto de maior valor e a segunda fornecida em abundância à escravaria.
Claro que a tal motivação não era única, mesmo porque a melancia, de fato, pode ser indigesta se apreciada sem moderação. No grenal das frutas a uva sempre saiu ganhando. É time de elite. Tem o plantel variado. Branca, rosa, preta, bordô, com ou sem semente. Casca soltinha ou pegada, a baga sempre agrada. É delicada, sofisticada. Melancia é melancia. Baby ou quadrada, o gosto é sempre o mesmo. É fruta de pobre.
A uva é metida a besta. Entojada. É dedo de dama em nariz empinado. Da boquinha do imperador romano à cabeça da Carmen Miranda, sempre manteve seu charme. A melancia é a bagaceira. É fruta sem alça. É servida aos porcos. Da uva se faz o vinho. In vino, verdade seja dita, a uva tem mais classe. Da melancia quando muito se faz um doce com gosto de água.

Vamos combinar que essa de que faz mal com uva foi coisa de quem queria realmente aparecer. Agora, convenhamos, que não combina, não combina e, por isso, só por isso, eu não como as duas frutas ao mesmo tempo.
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